terça-feira, junho 27, 2006

Águas do Alentejo Sul – o negócio

.
Com os votos contra do PSD e a abstenção do PS, a maioria CDU da Assembleia Municipal de Beja aprovou ontem o projecto de Estatutos da Empresa Intermunicipal “Águas do Alentejo Sul, EIM”. Já na Câmara, onde a CDU não dispõe de maioria absoluta, a abstenção do PS tinha viabilizado a aprovação deste projecto que está a ser submetido a idêntico processo nos restantes oito municípios que integram a AMALGA: Moura, Serpa, Barrancos, Aljustrel e Castro Verde, (presidências CDU), Mértola e Ourique (presidências PS) e Almodôvar (presidência PSD). Com mais abstenção aqui ou menos voto contra acolá, há um óbvio acordo destas três forças políticas sobre o modelo de gestão da água, imposto pelo governo e pela UE e que vai no caminho da privatização total, a prazo.

Analisemos em concreto o articulado do projecto de Estatutos, pois este fala por si.

1) O capital social (1 milhão €) das Águas do Alentejo é repartido em 51% para os municípios e 49% para a empresa privada, eufemisticamente designada de parceiro estratégico. Em Beja, o PSD defendeu o modelo de empresa multimunicipal (e não intermunicipal), solução que daria ao privado 51%. A diferença é sobretudo simbólica e tem pouco alcance prático, pois as grandes decisões (aumentos de capital, distribuição de lucros e alteração de taxas e tarifas, por exemplo) requerem a maioria qualificada de 75%, segundo o Artigo 10.º, n.º 2 – 49% são mais do que suficientes para bloquear qualquer decisão. Até porque o parceiro privado será uma transnacional como a “Générale des Eaux” ou as “Águas de Portugal”, a privatizar a prazo, concretizando um velho projecto de Sócrates, ainda ministro do Ambiente. E para um monopólio, com posição não só das Águas do Alentejo Sul mas em empresas congéneres de todo o país e por essa Europa fora, 49% chegam e sobram para garantir o domínio estratégico de um sector já conhecido como “o petróleo do século XXI” e que poderá originar as guerras do futuro. Lagarto, lagarto, lagarto…

2) Se dúvidas houvessem sobre quem manda, o Artigo 12.º, n.º 4 esclarece-as: “A sócia de direito privado tem ainda o direito de nomear o director-executivo da empresa”; e o artigo seguinte, o 13.º, prevê que “o CA poderá delegar parte dos seus poderes em qualquer dos seus membros e autorizar a subdelegação desses poderes em directores da empresa” – em primeiro lugar, no director-executivo!

3) O objecto social das Águas do Alentejo Sul é a captação, tratamento e distribuição de água “em alta” mas o n.º 2 do Artigo 2.º estipula que poderá também vir a contemplar a distribuição de água “em baixa”, isto é, directamente aos consumidores, bastando para tal uma deliberação do Conselho de Administração, sem necessidade da Assembleia Geral onde estão representados os municípios.

O possível alargamento do seu âmbito à distribuição “em baixa” colide com as funções actuais dos SMAS e com a EMAS em Beja – onde este processo de empresarialização / privatização está mais adiantado. Nem será difícil convencer os municípios a cederem a distribuição de água “em baixa”: foi dado o exemplo do Norte Alentejano, onde há câmaras que pagam a água “em alta” a 1 euro por metro cúbico e a distribuem a 15 cêntimos. A acumulação de dívidas às “Águas do Alentejo Sul” obrigará os municípios a entregarem-lhe, a curto prazo, também a distribuição “em baixa” – e aí a factura passará a ser paga directamente pelos consumidores…

4) Aliás, o artigo 27.º dos Estatutos é claro: “As tarifas praticadas devem assegurar receitas que (…) assegurem níveis adequados de autofinanciamento e de remuneração do capital investido” – o que é lógico numa empresa privada, mas representa o fim de uma política social na distribuição deste bem vital que é a água, justamente seguida por alguns municípios. Aliás, os sucessivos aumentos das tarifas de água em Beja, desde que os SMAS foram substituídos pela EMAS, são a pálida imagem do que o futuro nos poderá reservar. Razão têm os consumidores, os trabalhadores e o STAL para se oporem à destruição dos SMAS do Porto, a ponto de os partidos da oposição terem abandonado a Assembleia Municipal, deixando Rui Rio a falar sozinho. Mas a coerência de alguns partidos é posta à prova mais a sul, onde viabilizam o mesmo tipo de soluções privatizantes.

5) O Artigo 23.º dita que o regime jurídico dos trabalhadores é o do contrato individual de trabalho – e este ponto passou sem um único reparo dos sindicalistas presentes na bancada da CDU, entre eles o coordenador da União dos Sindicatos de Beja. Do PS e do PSD nada disto seria de admirar. Mas da CDU? Ainda me lembro de Jerónimo de Sousa justificar a ruptura com o autarca do Redondo por questões de princípio, como a privatização da água… Sim, existem alternativas ao pensamento único neoliberal, ainda por cima nesta questão estratégica.

A ÁGUA PÚBLICA pode e deve ser defendida, na teoria e na prática: Almada é um bom exemplo, ao manter os SMAS e o controle público sobre a captação e distribuição de água, fechando as portas ao caminho da privatização – desde a primeira reunião em que Sócrates, ministro do Ambiente, veio “vender” a ideia dos esquemas multimunicipais ou intermunicipais aos municípios da Margem Sul. Em relação às “Águas do Alentejo Sul”, não se trata sequer de um pequeno concelho isolado, sem alternativa: são nove municípios, num distrito onde a CDU é claramente maioritária. No caso muito particular de Beja, não quero acreditar que este projecto tenha a ver com a “dança de cadeiras” entre a vereação, a EMAS, a AMALGA e agora (quem sabe…?) as “Águas do Alentejo Sul”.

Não foi para isto que o povo de esquerda votou!

Alberto Matos

1 comentário:

Anónimo disse...

Conheço gente boa, dedicada, esforçada e estudiosa, mas quando no exercício do poder se envolvem envolvendo-se na incapacidade de dizer, - assim não!... ... ...