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Teve hoje início em Lisboa a 11.ª Conferência Internacional Metropolis, a maior conferência anual sobre migrações que se realiza, pela primeira vez, em Portugal. É um momento importante de reflexão global sobre um tema de grande expressão mediática nas últimas décadas mas, afinal, tão velho como a história da humanidade – em certo sentido, esta confunde-se com a das migrações. Por ironia elas terão tido início em África, em tempos remotos duma nossa longínqua antepassada, baptizada de Lucy pelos cientistas. Assim titulava, com razão, um jornal de imigrantes de língua russa: “Se as migrações acabassem, o mundo parava”.
Esta Conferência foi aberta por uma intervenção do professor Jorge Gaspar, do Centro de Estudos Geográficos da Universidade de Lisboa, cujo prestígio académico e sentido humanista me habituei a respeitar. Jorge Gaspar defende a tese de que os fluxos migratórios se dão, hoje, sobretudo entre cidades, salientando as vantagens daí advindas e a maior facilidade de integração nas sociedades de acolhimento. Por exemplo, o convívio de milhares de africanos na baixa lisboeta deu uma nova vida a um centro urbano em acelerada decadência. “Os imigrantes de Angola ou do Brasil já passaram primeiro por cidades nos seus países de origem, alguns até já nasceram em Luanda ou Belo Horizonte”. E podemos estender o raciocínio a cidades como Kiev, Bucareste ou Moscovo.
Reconheço a pertinência desta tese, se ela não for caricaturada como uma espécie de “passeio turístico entre cidades”; até porque continua a haver imigrantes que transitam directamente da interioridade camponesa para grandes metrópoles europeias ou norte-americanas. Em qualquer dos casos, esta transição é tudo menos um passeio turístico e evoca mais a história trágico-marítima.
Refiro-me à imigração massiva de África para a Europa: desde Janeiro deste ano desembarcaram, só nas Canárias, mais de 25 milhares de seres humanos dispostos a arriscar tudo, até a própria vida. Esta viagem de rumo incerto pode acabar em naufrágio, no regresso ao ponto de partida (se fossem interceptados) ou mesmo no Brasil – aconteceu a uma jangada que andou dois meses à deriva no Atlântico, cheia de gente que morreu desidratada e mais esfomeada ainda do que em casa.
As causas são conhecidas: a globalização neoliberal concentra a finança num pólo e lança milhões de seres humanos na pobreza e na exclusão mais absolutas; o proteccionismo, nomeadamente dos EUA e da Europa, gera toneladas de excedentes agrícolas, ao mesmo tempo que arruína economias baseadas na agricultura de subsistência; as pretensas ajudas ao desenvolvimento são ineficazes para fixar em África os seus filhos mais aptos e que se tornam, por isso mesmo, os primeiros candidatos à emigração. Numa perspectiva imediata, este drama humano é resultado directo dos obstáculos à imigração legal: além de todo o calvário burocrático, um visto de trabalho para a Europa custa, no Senegal, 3 milhões de francos CFA – cerca de 4500 euros, uma quantia astronómica para quem mal sobrevive. Ora o “bilhete” numa piroga custa, no máximo, 600 euros. Está tudo dito…
Infelizmente, a Europa continua a enterrar a cabeça na areia ou a pensar que pode tapar o sol com uma peneira, com o simples reforço dos meios de vigilância. Não pode. Há um ano, milhares de imigrantes tentaram saltar os muros de Ceuta e Melilla e centenas conseguiram-no; depois os muros subiram de 6 para 8 metros. Obviamente, eles continuam a saltar e sobreveio “a invasão marítima”: apenas 2379 imigrantes (menos de 10%), em 40 embarcações, foram interceptados na operação Frontex. Curiosamente, a corveta portuguesa Baptista de Andrade não encontrou ninguém nos mares de Cabo Verde. Êxito a 100%... ou hoje até as pirogas têm GPS?
Estamos em pleno reino da hipocrisia: segundo a denúncia dum sindicato espanhol de polícia, milhares de imigrantes foram levados das Canárias para o continente, largados junto a estações de comboio e “aconselhados a sair do país”. A velha Europa, que precisa dos imigrantes como de pão para a boca, prefere entregá-los às máfias do transporte e do trabalho ilegal.
Pior: em recente reunião dos países do Sul, Sarkozy, sinistro francês do Interior, criticou a Espanha e propôs um “pacto europeu” que proíba os processos de regularização de clandestinos. Resta saber que efeitos terão estas pressões de extrema-direita sobre o governo português no que toca à nova Lei de Imigração, mil vezes anunciada, mas que continua a aguardar vez no parlamento…
Alberto Matos
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