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A notícia não teve eco na imprensa portuguesa mas o 1.º de Maio de 2006, nos EUA, assistiu às maiores manifestações desde o fim da II Guerra Mundial: 120 anos depois da saga dos mártires de Chicago, o Dia Internacional dos Trabalhadores fica na história da América como “O Dia sem Imigrantes”. “Somos milhões de costa a costa, vamos mudar este país”, declarava à CNN Javier Rodríguez, da Coligação 25 de Março, contra a nova lei de imigração em debate no Senado.
Obras, fábricas e campos abandonados, lojas, escolas e restaurantes vazios, transportes parados e milhões de manifestantes nas ruas das 75 maiores cidades. Los Angeles foi o epicentro de todos os protestos, com um milhão de pessoas na rua; em Chicago eram mais de 300 mil latino-americanos, polacos, irlandeses, chineses..., a somar às marchas e manifestações de Washington, Dallas, Phoenix, Nova Iorque, Denver, San Francisco, San Diego, Milwaukee ou Atlanta.
É simbólica a escolha do 1.º de Maio para o eclodir deste gigante adormecido: os imigrantes estiveram na origem do pujante movimente operário norte-americano que, há um século, tinha uma das expressões mais combativas no IWW – operários industriais do mundo. Em 2006, a luta das camadas inferiores do proletariado, representadas pelos imigrantes ilegais, teve enorme repercussão e apoio de outros trabalhadores: em Los Angeles mais de metade dos professores não deram aulas.
Alguns economistas mostram-se preocupados com a ameaça de expulsão em massa de ilegais, cujo contributo representa cerca de 2% do crescimento da economia norte-americana. Em 2004, devido à escassez de mão-de-obra ilegal para a colheita de alface, na Califórnia houve uma perda quase total da produção e prejuízos da ordem dos mil milhões de dólares – inferiores, no entanto, aos custos de contratação de trabalhadores norte-americanos ou de imigrantes legais. Algo de semelhante ocorre em pleno Alentejo, nas estufas do Brejão a Vila Nova de Milfontes.
Em Abril de 2005, “La Prensa”, de Nova Iorque, anunciava uma tragédia iminente na fronteira do Arizona com o vizinho estado mexicano de Sonora, onde o grupo paramilitar “Minuteman Project” e outros bandos praticam a “caça ao imigrante” como uma espécie de “desporto radical”. No deserto de Yuma, na Califórnia, num cemitério clandestino, estavam enterrados 180 brasileiros – é comum a descoberta de ossadas nas terras desérticas. Para agravar este estado de coisas, em Dezembro de 2005 o Congresso dos EUA aprovou um projecto de lei que prevê a construção de mais 1600 quilómetros de muros na fronteira – já há um muro próximo das cidades de Tijuana e Juarez.
O arcebispo primaz do México considerou que os EUA deveriam criar pontes, em vez de construir muralhas: “proclamam a globalização, mas não são coerentes". Já a Confederação Nacional Camponesa avisa que cinco milhões de agricultores mexicanos sem-terra “são candidatos a emigrar para as cidades e para os EUA, pois em 2005 o emprego no campo diminuiu 47%”. Mais de metade dos dez milhões de mexicanos que vivem nos EUA estão em situação ilegal. Um milhão de pessoas por ano atravessa a fronteira “a salto” e mais de 400 morrem no deserto ou afogados no rio Bravo.
Os muros são mais um obstáculo desumano para milhares de imigrantes, mas revelam-se ineficazes perante o crime organizado e o narcotráfico. Em Janeiro de 2006 foi descoberto um túnel de mais de um quilómetro de extensão, a 26 metros de profundidade, com início numa casa em Tijuana e fim num armazém de Otay Mesa, na Califórnia. Construída em betão armado, com mais de cinco metros de diâmetro, instalação eléctrica, ventilação, saneamento e um sistema de elevadores e roldanas para levantamento e transporte de cargas, esta verdadeira obra de engenharia só é possível com grandes meios e conivências poderosas. A construção de um novo muro só vem espicaçar a capacidade de inovação dos cartéis da droga, que dispõem de recursos quase ilimitados.
Seguindo a visão securitária dos neocons, George W. Bush anunciou o destacamento de seis mil soldados da Guarda Nacional para a fronteira com o México e pediu ao Congresso mais dois mil milhões de dólares para um programa de vigilância de alta tecnologia, com vedações invisíveis, câmaras e sensores. Mas, enquanto persiste uma globalização não solidária e as desigualdades se aprofundam por todo o planeta, a imigração continuará a ser um barril de pólvora, pronto a explodir nas próprias metrópoles. O problema do Império – de todos os impérios – é que não pode prescindir dos “bárbaros” que, inexoravelmente, o cercam: por fora, mas também (e sobretudo) por dentro.
Alberto Matos
2 comentários:
gostaria de trocar o meu link com voce.
Estou certo que o resto do colectivo Arre Macho não se importará, no entanto, qual o blog dos 4 que possuis no teu perfil desejas linkar?
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