.
Com cinco meses de atraso em relação ao compromisso assumido pelo ministro António Costa, foi finalmente conhecida a proposta de Lei de Imigração do governo PS, sob a forma de anteprojecto a submeter à discussão pública. Entre as razões do atraso tem sido apontada a “guerra de capelinhas” e de protagonismos entre o ACIME e o MAI, ambos chamando a si a paternidade da proposta de lei. A ser verdadeira esta versão – o que desconheço – dela só pode resultar uma conclusão: continua a prevalecer um enfoque policial da problemática da imigração, em detrimento da visão integrada de um fenómeno que requer uma enorme sensibilidade social.
É este o resultado da “primeira-mão”, disputada em casa do governo; falta ainda a “segunda-mão”, perante a opinião pública e no parlamento – onde, apesar da maioria absoluta, estão em cima da mesa propostas de lei do PCP e do BE que já tiveram o mérito de obrigar o governo a vir a terreiro. A direita, nesta como noutras matérias, aparece sem alternativa perante o governo Sócrates, até pela sintonia de posições de Cavaco Silva e do executivo.
As reacções a este anteprojecto foram de enorme decepção, face a expectativas alimentadas pelas sucessivas declarações de António Costa e aos objectivos enunciados no preâmbulo, que critica a burocracia existente e a lei em vigor por “não ser adequada à realidade migratória contemporânea” e se ter tornado “fonte constante de ilegalidade”. Já o Director Geral do SEF, Jarmela Palos, classificara a actual legislação e o sistema de quotas como “um falhanço rotundo”.
Por isso mesmo, a incoerência mais flagrante da proposta do governo é a manutenção da fracassada política de quotas de imigrantes, renomeada de “contingente global de oportunidades de emprego”, a fixar anualmente pelo Conselho de Ministros “mediante parecer prévio da Comissão Permanente da Concertação Social” – Artigo 59.º. Em vez do anunciado visto de residência, com a duração de 90 dias para obter trabalho em Portugal, o imigrante fica dependente de um sistema de informação do IEFP – tudo isto no país de origem, sujeito à pressão das máfias e à burocracia dos consulados, onde a celeridade dos processos se paga cara. Além dos requisitos burocráticos fixados no Artigo 52.º, é exigido que “possua contrato de trabalho ou promessa de contrato de trabalho e habilitações, competências ou qualificações reconhecidas (…) e beneficie de uma manifestação individualizada de interesse da entidade empregadora” – tudo como dantes, quartel-general em Abrantes…
É óbvio que há coisas positivas neste anteprojecto, em especial a criação de um único tipo de autorização de residência que vem substituir sete categorias de vistos diferentes, entre elas as autorização de permanência, os vistos de trabalho, de estudo e de estada temporária, bem como as prorrogações de permanência e os vistos obtidos ao abrigo do “acordo Lula”. É lógica, também, a contagem de todo o tempo de permanência legal em território nacional para acesso à Autorização de Residência permanente, renovável de cinco em cinco anos.
Mas, se há intenção de reduzir a burocracia, para que serve o Boletim de Alojamento, a não ser pela antiga obsessão policial de controlar a liberdade de circulação das pessoas? Ainda por cima, é de nula utilidade, face à inexistência prática de fronteiras terrestres – é óbvio que potenciais criminosos não vão preencher nenhum tipo de boletim... Quanto às taxas e coimas, é justo que a obtenção e renovação de autorizações de residência tenha uma tabela de preços equivalente às de um BI, devendo passar a ser emitidas nas Conservatórias de Registo Civil. Portugal não se dignifica nem reduz o défice com as taxas exorbitantes hoje cobradas pelo SEF – mais de 75 € por pessoa para a renovação anual de um visto e coimas que, com facilidade, chegam aos 250 ou 500 euros, a somar à sobreexploração a que são submetidos grande parte dos imigrantes!
O pior, porém, é que o anteprojecto passa ao lado do essencial: a existência de mais de 100 mil imigrantes, até hoje mantidos em situação ilegal, por vezes em condições próximas da escravatura, à mercê das máfias que alimentam os reconhecidos 23% da economia informal. Não se pode falar seriamente de uma nova geração de políticas migratórias, ignorando esta realidade incontornável. E não se agite o fantasma de mais um processo extraordinário de legalização, utilizado pela direita e pelo governo para manter esta reserva de mão-de-obra superexplorada.
Portugal precisa é da regularização permanente, sempre em aberto, concedendo vistos de residência para o exercício de actividade profissional, subordinada ou não, aos imigrantes que possuam relação de trabalho e dela façam prova através de contrato de trabalho ou declaração emitida por sindicato ou associação de imigrantes – como propõe, por exemplo, o projecto de lei do BE. Além de outros efeitos sociais positivos, esta medida poderá reduzir drasticamente a procura de trabalho ilegal por parte de quem faz da fuga ao fisco e à segurança social um modo de vida e de concorrência desleal. Haja coragem de afrontar os interesses mafiosos e de emancipar as suas vítimas!
O anteprojecto do governo representa, assim, um péssimo início de conversa. No final, veremos se a montanha pariu um rato… ou uma fraude?
Alberto Matos
1 comentário:
Para além das implicações directas, ou seja, as dificuldades acrescidas para os imigrantes. Esta lei denota o enfraquecimento do ACIME, o que poderá indiciar o seu desaparecimento a curto prazo, como já tem sido referido algumas vezes. Num país de emigrantes, seria de esperar leis mais tolerantes e compreensivas para quem vem de fora, mas não, é o próprio Governo a dar sinais de intolerância à própria sociedade.
Mais uma vergonha!
Enviar um comentário