quinta-feira, junho 22, 2006

Na miragem do Grande Lago…

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Na primeira quinzena deste mês de Junho do Ano da Graça de 2006, entre as overdoses de nacional-futebolismo, foram saindo notícias sobre projectos turísticos na zona de Alqueva. Grupos como a Sonae, Pestana, Banco Espírito Santo, Amorim e a Finagra, de José Roquette, são dos principais interessados nas 11 áreas de construção previstas na revisão do POAAP – Plano de Ordenamento das Albufeiras de Alqueva e Pedrógão, cuja discussão pública decorreu morna até final de Maio.

Sócrates, ministro do Ambiente até 2002, foi responsável por um plano de ordenamento que previa seis unidades hoteleiras, num total de 480 camas, considerado “muito restritivo” pelos agentes turísticos e por autarquias de diferentes cores políticas que viam em Alqueva uma oportunidade de encher os debilitados cofres municipais. Quatro anos depois, ao anunciar a sua revisão, Sócrates primeiro-ministro declarou que o plano “continuava a ser restritivo”. Esperem pela pancada...

O novo plano prevê 11 unidades turísticas com um máximo de 2500 camas cada; o total multiplica por 45 e passa de 480 para 22 500 camas, distribuídas pelos concelhos de Reguengos de Monsaraz (três unidades), Mourão, Moura e Portel (duas em cada), Vidigueira e Serpa, com uma unidade. Em Março, o ICN – Instituto de Conservação da Natureza – e o Instituto de Desenvolvimento Rural e Hidráulica já tinham manifestado fortes reservas à forma como foi elaborado o POAAP.

Face ás críticas também avançadas pela Quercus, que manifestou a intenção de levar a Bruxelas os possíveis danos ambientais, o ministro do Ambiente, Nunes Correia, corrigiu o número de camas para 15 a 16 mil, sem explicar como – terá oportunidade o fazer no parlamento, onde foi chamado com carácter de urgência pelo BE. Brincando às estatísticas, foi dizendo que o grau de ocupação turística previsto representa apenas quatro habitantes por hectare – o que talvez fosse verdade, considerando a área dos seis concelhos envolvidos. Esqueceu-se, porém, que pelo menos umas 20 mil camas vão estar concentradas nas margens do Grande Lago.

Perante este cenário previsível e o que poderá materializar-se nos próximos anos, alguns alertas:

- O Alentejo não pode “matar a galinha dos ovos de ouro”: o turismo ambiental, patrimonial e cultural que é sua especificidade e vantagem comparativa no quadro nacional e europeu.

- Existe perigo de especulação imobiliária para segunda habitação de luxo, disfarçada de projectos turísticos “de interesse nacional” que, só por si, não têm taxas de ocupação sustentáveis ao longo do ano – maus exemplos já os temos, a começar em Tróia e a estender-se pelo Litoral Alentejano…

- É inaceitável reduzir o empreendimento de fins múltiplos de Alqueva, mobilizador de sonhos e reivindicações de várias gerações alentejanas e de tantos visionários de progresso, a esta espécie de briga entre ambientalistas e “promotores do desenvolvimento” – o turismo, com as salvaguardas qualitativas acima referidas, será sempre um aspecto complementar.

Neste estádio da discussão, vêm-me à memória os desabafos de Lino de Carvalho, à margem de um debate em Beja sobre a componente agrícola de Alqueva, ao lado de Fernando Rosas, Capoulas Santos e Castro e Brito. A poucos meses da morte, lúcido e determinado na defesa do projecto de reestruturação agrária que, pela sua mão, o PCP apresentara no parlamento, o Lino indignava-se com “a obsessão do turismo” que parecia ter tomado conta dos autarcas da região, incluindo os seus camaradas que criticavam o plano Sócrates por ser “tão restritivo”. O presente está a dar razão às preocupações de Lino de Carvalho, como se vê pelo contentamento discreto dos autarcas com a revisão do POAAP – querem lá saber de desinquietações e reformas agrárias…

Sócrates, além de deixar cair os “excessos restritivos”, num passo de mágica, antecipou dez anos a conclusão do sistema de rega de Alqueva. Já um anterior ministro do PSD, Sevinate Pinto, o tinha prometido, mas explicou como: o Estado abdica de construir a rede de rega terciária, dentro de cada propriedade, cujo dono fica “livre” de fazer ou não regadio. Entretanto, com água à porta, o preço da terra valorizou-se cinco ou dez vezes, à custa dos milhões investidos em Alqueva e pagos por todos nós. Eis o conceito de liberdade neoliberal no seu esplendor: o Estado abstém-se de intervir no uso e posse da terra, o proprietário “é livre” de especular com ela.

Na miragem do Grande Lago, vão florescer “resorts” do Belmiro, “vilas” do Roquette, golfes do Amorim e cais do Espírito Santo, entre olivais de “nuestros hermanos”….

Alberto Matos

3 comentários:

zé lérias (?) disse...

Não é tempo de falarmos de coisas sérias.
Este é um período que deve ser religioosamente consagrado ao Mundial 2006.
Por falar nisso. Sabem qual foi o último resultado?

Mundial 2006
Austália, 4 (galões)
Timor Leste, 1 (galão, de Xanana)

Chapa disse...

e assim se faz Portugal!

Anónimo disse...

Quando em seca prolongada, irá ser proibido o uso da água, não vá a margem do lago ficar distante dos opulentes espaços de lazer...