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As jornadas de Março e Abril contra o CPE – Contrato Primeiro Emprego, baptizado justamente de Primeiro Desemprego pelos jovens trabalhadores franceses – traduziram-se numa magnífica vitória popular que está a transformar a sucessão de Chirac num Calvário para a direita, com os delfins Villepin e Sarkozy engalfinhados e atolados no escândalo Clearstream – uma trama de corrupção já conhecida como “Watergate francês”. Confirmando o pendor maioritário de esquerda do NON ao tratado da pseudo Constituição Europeia, a França está a transformar-se num cemitério de diplomas estruturantes para o projecto neoliberal do superestado europeu e a deixar preocupados os principais representantes das suas burguesias, desde a Comissão Europeia aos governos e chefes de estado dos 25 países-membros.
O caso não é para menos. A derrota do CPE não se deve a uma particular inabilidade ou teimosia do primeiro-ministro Villepin que, com o proverbial radicalismo francês, teve a ousadia de escrever em letra de forma aquilo que outros já vão pondo em prática, sem grande alarido, ou se preparam para passar, como contrabando, nas reformas da legislação laboral e da segurança social, um pouco por toda a Europa. Do lado contrário, os trabalhadores e as forças de esquerda devem encarar a derrota do CPE como um magnífico impulso à luta por uma Europa Social e dos Povos, capaz de ir construindo alternativas ao neoliberalismo. Se a França venceu, a Europa também pode vencer!
Novos CPE, mais ou menos disfarçados, estão em preparação na Europa. Em Portugal, o Código de Trabalho de Bagão Félix continua em pleno vigor no consulado de Sócrates e a sua revisão ficou na gaveta, até em matérias básicas como a contratação colectiva. A caducidade dos CCT, imposta pela intransigência patronal, dá cada vez mais lugar aos contratos individuais de trabalho; o próprio governo introduziu o contrato individual como única forma de admissão na função pública. A individualização das relações de trabalho e a precariedade tornam-se a regra geral, mesmo quando há contrato escrito; em muitos casos, porém, a clandestinidade é a melhor garantia da fuga ao fisco e à segurança social. Nada de novo, afinal: este é o modelo que vigora em relação aos trabalhadores imigrantes e que o patronato, com a bênção do governo, pretende generalizar.
E não se trata dum desvio de Sócrates ou da “terceira via” à portuguesa. Paulo Pedroso, ex-ministro do Trabalho e da Segurança Social e ex-delfim de Ferro Rodrigues, quebrou o silêncio de vários anos numa palestra da JS sobre “Políticas activas de emprego para jovens”. E disse, nada mais, nada menos: “A rigidez que existe em Portugal ao nível dos despedimentos não é sustentável a médio prazo. Esta discussão, que também se coloca noutros países europeus chegará, a Portugal daqui a um ano (...). Vou dizer uma coisa que se calhar me custaria a cabeça se fosse ministro do Trabalho: a necessidade de se introduzirem medidas de flexibilização no mercado de trabalho já nem se discute, o que falta mesmo decidir é qual o caminho a seguir: se uma via mais ou menos liberal…”.
Eis um representante da “esquerdíssima” do PS perante a juventude do seu partido: “uma via mais ou menos liberal”! Não sei se alguém lhe perguntou por que alçapão expulsou o socialismo, uma vez que a alternativa é entre mais ou menos liberalismo. Ficaram patentes, no último fim-de-semana, as dificuldades de Marques Mendes e Ribeiro e Castro para disputar o espaço político do centro e da direita perante a “concorrência desleal” do PS. A insuspeita Maria José Nogueira Pinto escreveu: “O engenheiro Sócrates tornou-se num social-democrata reformista e está a fazer pequenas coisas, básicas, que eram óbvias e necessárias e que não estavam a ser feitas pela coligação PSD-CDS. A próxima maioria absoluta, se a tiver, é dada pelo eleitorado do PSD.”
Mas se a vida não está fácil para o PSD e o CDS, ela é muito mais difícil para quem queira ser socialista dentro do PS. Quando o partido de Sócrates se torna atractivo para os apoiantes do PSD e da direita em geral, é altura de virar costas ao social-liberalismo e procurar alternativas à esquerda, em Portugal como na Europa. Perante a chantagem intolerável ou o desemprego ou um qualquer CPE, “mais ou menos liberal”, @s jovens trabalhadores (as) sabem que há uma terceira alternativa, vitoriosa em França e que marcha pelas estradas da Europa contra a precariedade e pelo pleno emprego, pela solidariedade e contra todas as discriminações. Afinal, “outra Europa e outro mundo são possíveis”, como lembrou o Fórum Social Europeu em Atenas, a 6 e 7 de Maio.
Alberto Matos
1 comentário:
e, entretanto, sobra um enorme buraco na esquerda, que nenhum dos partidos consegue ocupar. Até quando?
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