A nova Lei da Nacionalidade, aprovada pela Assembleia da República a 16 de Fevereiro, representa um facto político assinalável que se arrisca a passar despercebido, no meio do Carnaval mediático. Em primeiro lugar, registe-se que não houve votos contra: é quase unânime o reconhecimento do avanço significativo que este diploma representa face ao jus sanguis predominante e totalmente desfasado do contexto de Portugal na Europa e no mundo. Apenas o BE e o CDS se abstiveram, por razões diametralmente opostas. O BE defendeu o princípio do jus solis puro e simples, tal como o PCP que, apesar disso, vou a favor da nova lei: “Quem nasce em Portugal é português. Como poderia, aliás, ser de outro modo?”, lia-se na declaração de voto bloquista.
No plano dos princípios e não só, esta afirmação é irrefutável. Aliás, o jus solis foi adoptado por países com ambição de crescimento como o Brasil e os próprios EUA que, tradicionalmente, melhor integravam os imigrantes e os seus descendentes como membros de pleno direito das sociedades de acolhimento. Mas nesta velha Europa, em queda demográfica acentuada, alguns ainda não se deram conta de que a imigração é indispensável como pão para a boca para o seu rejuvenescimento e para a sustentabilidade do sistema de segurança social – só para invocar duas “razões egoístas”.
A nova lei reconhece a nacionalidade portuguesa aos filhos de estrangeiros nascidos em território nacional, mas apenas se um dos progenitores aqui tiver residência legal há pelo menos cinco anos ou desde que um deles já tenha nascido aqui. Ou seja, faz depender a atribuição da nacionalidade aos filhos do estatuto legal dos pais, ficando a meio caminho do jus solis. Esta formulação resulta do entendimento dos partidos do “centrão” e da cedência do PS às pressões de direita expressas, num célebre debate da campanha presidencial, pela afirmação fantástica de Cavaco Silva: “em certo momento, os que aqui nasceram podiam estar em minoria”…
O principal progresso da lei é que ela abre novas possibilidades de naturalização, nomeadamente para os menores filhos de estrangeiros que residam em Portugal há mais de cinco anos, desde que tenham concluído o primeiro ciclo do ensino básico; e também para os estrangeiros que vivam em união de facto com uma cidadã ou cidadão português, há pelo menos três anos – o que equipara, para efeitos de naturalização, a união de facto ao casamento. Outra abertura importante da lei é a hipótese de naturalização dos netos de portugueses de origem ou mesmo de descendentes mais afastados e de membros de comunidades de ascendência portuguesa que assim o requeiram.
Sem surpresa, no extremo oposto, o CDS criticou a nova lei pela “excessiva flexibilização dos critérios de naturalização”; o seu líder parlamentar, Nuno Melo, proclamou que “ser português é e deve ser um privilégio, implica direitos e deveres”. Mas só sendo português é que direitos e deveres podem ser plenamente efectivados em Portugal – o que nada tem a ver com privilégios, antes pelo contrário… Esta concepção de fidalgotes far-nos-ia retroceder mais de dois milénios, até à antiga democracia grega, onde a cidadania era privilégio de uns quantos e os outros seriam escravos: os imigrantes e seus descendentes.
O alcance da nova lei é claramente positivo, num mundo onde se acumulam sinais de intolerância e no momento em que alguns irresponsáveis agitam o espectro da “guerra de civilizações”. A pretexto das caricaturas de Maomé e das manifestações de desagravo no mundo muçulmano, mais ou menos manipuladas por fundamentalistas ou por regimes corruptos e tirânicos (do Paquistão à Síria), soam os tambores da guerra infinita e cresce a extrema-direita, nomeadamente na Dinamarca.
Também a Ocidente, não faltam fundamentalistas: circula na Internet um manifesto contra o filme “O Código Da Vinci”, cuja estreia está marcada para Maio nos EUA, acusando esta obra de ficção de espalhar “as piores dúvidas contra a fé católica” e de urdir a “trama delirante e blasfematória” de “um suposto casamento de Nosso Senhor Jesus Cristo com Santa Maria Madalena”…
Neste contexto, todas as possibilidades de integração partilhada, abertas pela lei da nacionalidade, devem ser exploradas pelas comunidades imigrantes e pelas suas associações, em conjunto com as forças de progresso. Contra as manifestações de intolerância, racismo e xenofobia é preciso afirmar a plena cidadania de todas e todos os que aqui vivem e trabalham, na construção de uma sociedade aberta e plural que faz da diversidade étnica, cultural e religiosa um factor de enriquecimento.
Alberto Matos
3 comentários:
Se nasce em portugal e portugues isso nem se devia discutir e ja ha muito que devia estar legislado.
Nem mais amiga.
Em relação aos nascidos eu concordo que a Lei como está pensada não é o melhor mas em contraponto também acho que há que acautelar não termos de repente um monte de imigrantes a fazer filhos só para cá ficarem. Não é bom.
Quanto à questão dos naturalizados eu discordo do Alberto Matos.
Eu não me esqueço da naturalização do sr. Deco e da entrevista que ele deu e que eu vi depois na TV Globo.
A Naturalização É um privilégio e por tal não deve ser dada sem critérios que não o de casar com um(a) portugues(a) ou estar cá há cinco anos.
Em outros países é fundamental falar a língua do país, saber a história do país razoávelmente e demonstrar que se quer ser português mesmo e não meramente pelos beneficios que podem daí advir.
Até mais.
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