Desde sempre existiram pensadores e activistas a contrariarem a vigência das religiões e os seus fundamentos filosóficos.
Também a afirmação religiosa, em todas as épocas, resultou sempre da aceitação dos detentores do poder. Só e apenas após perceberem que tais crenças não colidiam com a ordem instituída, antes a ajudavam, verificando-se assim ao longo de milénios o aparecimento de muitas que se transformaram em religiões oficiais dos respectivos regimes.
Em finais do IV milénio antes desta era, a Babilónia e o Egipto eram estados esclavagistas, onde o trabalho escravo garantia a construção de sistemas de rega, pirâmides, palácios e tudo o mais que obrigasse a trabalho duro. Naquele periodo verificou-se avanços importantes na ciência - matemática, astronomia, cosmologia. Deste modo a germinação do pensamento filosófico, ainda que afunilado na mitologia, pois tudo ainda era distante e propiciador da consciência social.
Naquele tempo destacou-se a casta sacerdotal na investigação, elaborando por observação da lua, sol e estrelas, o primeiro calendário, essencial para a agricultura base da economia de então.
Tais sacerdotes na observação do cosmos na tentativa de compreender os fenómenos da natureza, propagaram inúmeras crenças religiosas, cujas narrativas mitológicas sobre a origem dos deuses e a origem do mundo, deram duas disciplinas a Teogonia e a Cosmogonia, por onde desenvolveram a sua fundamentação, tal como hoje a Teologia.
Mas ao desenvolver-se a escravidão a par da crescente dureza das relações sociais, desenvolve-se um movimento de ideias, aparecendo na Babilónia vários registos em que não só rompiam com a mitologia como desenvolviam o pensamento ateu. Como aquele lindo escrito que é um diálogo entre o senhor e o escravo "Sobre o sentido da vida", onde os dogmas religiosos são criticados, dizendo que é ingenuidade cumprir as prescrições religiosas, fazer sacrificios aos deuses e ter esperança numa recompensa no mundo de além túmulo.
Também no Egipto, cuja evolução do pensamento filosófico permite que no II milénio antes desta era, se detecte o caminho que conduz da religião à interpretação filosófica dos mitos, onde já não prevalece um sentido religioso, mas a um sentido mais elevado a corresponder a um maior conhecimento cientifico, a par de uma consciência social resultante do endurecimento da luta encetada pelos escravos, e da acção das camadas até então acomodadas de cidadãos livres, que geraram um enorme fosso entre a generalidade da população e a nobreza esclavagista.
Deste tempo existem escritos que duvidam das crenças religiosas numa "vida eterna no outro mundo" e que perante as concepções da nobreza esclavagista, com o seu desdém pelo trabalho e anúncio de uma existência no além, falam da possibilidade de melhorar a vida neste mundo.
Assim no "Cantar de Harpista", obra clássica da antiga literatura egipcia, diz-se que não houve um só morto que tivesse voltado para falar do além-túmulo. A razão e os sentidos também não podem dizer nada acerca dele. Portanto não há razão para acreditar na existência de outro mundo que não seja o terreno.
Estes escritos são um marco na história da evolução do pensamento humano, pela coerência e força lógica com que recusa contabilizar esperanças num mundo além - túmulo, preferindo "tratar e regularizar os nossos assuntos na terra".
Este escrito resultou de uma recente conversa que mantive com Heródoto.
De vez enquando aparece-me por cá.
De vez enquando aparece-me por cá.
3 comentários:
Parabéns Broncas, apesar de não concordar contigo quanto ao "ideal de sociedade", admiro a tua erudição como demonstras neste artigo... é sempre bom aprender alguma coisa.
Saudações Socialistas
Jorge Beja
Estou a ver que qualquer dia aparece algo tirado do "Pequeno Egipto" de Eças de Qeiroz sobre as almas que ficaram soterradas na construção do Canal do Suez...
Já há muito que não converso com Eça...talvez me encontre com ele um dia destes - desejo até que ele me explique, como é que se desentendeu com o inventor das "ameixoas à bulhão pato".
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