quinta-feira, junho 14, 2007

Dor Crónica - Esta Doença da Escrita.

É uma dor embriagada que me corrói. Cansa! Dói escrever em todo o meu corpo. Cansa-me os braços, as mãos, o cérebro que, de alucinado na sua correria, trespassa todos os muros, todas as barreiras. Por vezes estatela-se no chão, fica arranhado, sangra e resfolega de suor cansado.
É assim o meu corpo! Perene, invisível na manhã nevoenta, sem abrigo e sem chapéu. Morde a língua no meu cais de sal. Assombro na madrugada. Fico cansado. Tenho de parar por dias, às vezes semanas. Mas a seiva cresce e tem de escorrer por todos os poros quando não aguenta mais! Por isso solta-se: travo amargo e sincopado. Dura tragédia do existir, do ver, sofrer com, morrer contigo. O poeta encalha no esteiro vazio, na manhã infiel da agudizada dor dos vivos.
Os que não possuem, os que não soletram a despedida breve de uma eternidade. Propus-me casar contigo, letra insossa do meu olhar, porto de abrigo do meu silêncio intrépido. Aos 16 anos, já resfolegava na torrente dos afectos, na ribalta do acaso simbólico e tímbrico das palavras.
Rei sem roque nem dama de companhia, percorria inusitado as caves e becos da literatura, pedaços escondidos, abertos aos poucos que lhes querem tirar as rugas da lombada, o pó de uma maquilhagem secular. Perdi-me em histórias de desencantar, em historietas e contos, lendas de um passado castrejo, altivo, feérico.
E eu que me perdesse, nas rias de novelas e ficções heróicas. Depois, os poetas de uma vida, o Portugal profundo de homens que passei a admirar. Também as mulheres, claro, deusas eternais e sinceras, musas daqueles abraços sempre por dar. Vontade de tocar, de experimentar toda a novidade do mundo. Com a minha beatitute e inibições, fui deslizando anos de vida em interioridade prazenteira, ensimensmada. Fui feliz, sabem? Ri tanto comigo e de mim próprio, besta bestial e humilíssima. A descoberta das frases, das palavras, deu-me a vontade de ser um escritor ambulante, das rotas das especiarias da literatura. Sonho aqui, pitada de ilusão acolá, e com mão sapuda e abundante, muita verdade, realismo, verismo nas desconexas frases. Depois, muitas viagens, da mente, do olhar, dos sabores e cheiros, dos corpos. Dos dias excelsos, das vaidades fingidas, dos futuros pintados da cor da dúvida.
Assim cresci e resisti! Às doenças, aos frutos serôdios e mais que maduros e quiçá apodrecidos na lassidão dos dias enfezados. Muitos dias de ausência, sem ninguém me ver, perdido comigo, perdido na aprendizagem das escolas, mas também na vida. Sempre a estudar, a querer aprender a ser homem, mas a esboroar a paciência dos familiares, dos amigos, dos amantes incautos e surpreendidos. Fiz escolhas, segui pisadas de risco e turbulência. Ainda não cheguei a lugar algum. Ainda me perco no olhar de quem me queira compreender e amar. Amo tão delicadamente a natureza como o pássaro ama a sua liberdade.
E agora? Porquê tanto alarido? Tantos caracteres escritos, tanta inquietação, tanta vontade de dizer algo! Que surpresa me reservo a mim mesmo? Que fantasia paira no ar, no teu cabelo?
Talvez a amargura de nada ter vencido, nada augurar de bom, não para mim, para os outros, por sentir fugir a areia fina da idílica praia ensolarada e vazia, só para nós, para os amigos da paixão, do desejo, da memória, do sonho feito com saudade.
Confusos? Também eu! Confuso na minha impassível e desconhecida escrita, nos lugares labirínticos que quase ninguém quer conhecer. Escrita oca, vazia de conteúdos?
Que mundo procura o sucesso? Que mundo procura a arte e o amor?
Procuro a voz perfeita, a calma, o sorriso ingénuo, a maresia com sonho!
Procuro-te sentido desperto, memória infinita, poesia com a diferença de seres tu: eu mesmo!

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