quarta-feira, janeiro 17, 2007

7 horas da nossa miséria

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António Oliveira, 54 anos, ia de bicicleta por uma estrada que liga as freguesias de S. Teotónio e Vila Nova de Milfontes. Não seriam ainda 7 da manhã de 8 de Janeiro e foi abalroado por um automóvel que se pôs em fuga, deixando-o abandonado à beira da estrada. Avisado pelas sete e meia, o INEM chamou de imediato uma ambulância que chegou ao SAP de Odemira pelas 8h12. Apesar do estado de saúde do António ser grave (traumatismo crânio-encefálico e fractura exposta do braço esquerdo), como o alarme só foi dado pelas 7h30, tudo corria com a celeridade possível. Até que começou um verdadeiro calvário.

Como não há Viatura Médica de Emergência e Reabilitação em Odemira, às 9h 34 foi chamada a única existente no distrito, demorando uma hora a percorrer 100 Km. A equipa médica de Beja concluiu que o doente teria de ser rapidamente deslocado para um hospital central, em Lisboa. A VMER nem chegou a ser utilizada e o helicóptero saiu de Odemira às 12h15, chegando a Lisboa hora e meia depois. António deu entrada no serviço de urgência do Hospital de Santa Maria cerca das 14 horas e veio a falecer quatro dias depois.

Depois do facto consumado, começaram as reacções. Vítor Almeida, da Associação Portuguesa de Medicina de Emergência, fez a pergunta óbvia: assim que o INEM teve conhecimento de que se tratava de um traumatismo craniano, porque não enviou imediatamente um helicóptero? E concluiu que o facto de estar longe das áreas metropolitanas não justifica a demora: “Qualquer português tem de ter o mesmo direito a ser salvo, vivendo em Arganil, Odemira ou Lisboa”.

O ministro da Saúde, depois de anunciar que “quer saber o que correu mal”, ainda não decidiu abrir um inquérito. Por sua vez, o presidente da Câmara de Odemira considerou "impressionante e inconcebível" o tempo de espera para o transporte para Lisboa e frisou a necessidade de uma VMER estacionada em Odemira, um concelho periférico que é simultaneamente o maior do país, um dos que tem um povoamento mais disperso e péssimas acessibilidades à capital, pelo menos até Sines.

Todos estes reparos são justificados. Mas este caso, tratando-se duma evacuação por via aérea, põe em evidência o principal problema dos nossos serviços de saúde e não só: a cultura de organização ou melhor, a falta dela. Desde logo, a falta de articulação entre o INEM e os serviços de saúde: SAP de Odemira e Hospital Distrital de Beja, até à tomada de decisão de transportar o doente de helicóptero para Lisboa, atrasada talvez irremediavelmente. Na ausência duma organização e de competências claramente delimitadas, é difícil também apurar responsabilidades quando algo não corre bem ou podia, eventualmente, ter sido evitado. António não é caso inédito. Há meses, em Ourique, outra vítima morreu na estrada depois de três horas à espera do helicóptero.

Há mais de uma década uma criança sofreu um aparente ataque epiléptico, perto de Santa Luzia, ainda não eram 9 da manhã. Em plena estrada (não havia telemóveis), o André teve de esperar por uma ambulância que percorreu 20 Km desde Odemira e outros tantos de volta ao Centro de Saúde. Aí chegado, foi decidido enviá-lo para o Hospital de Beja. Depois de horas de espera na urgência, concluíram que teria de seguir para um Hospital central – no caso o Garcia de Orta, em Almada, onde chegou ás 11 da noite. Felizmente, tudo correu bem. Mas as coisas não mudaram assim tanto: em Portugal, no século XXI, com GPS e alertas via satélite, ainda se morre a 50 metros do areal…

Há dias, um amigo francês teve o azar de partir um pé em Almograve, passava das 8 da noite. No Centro de Saúde de Odemira há aparelho de raios X, mas falta radiologista. E lá foi o Jacques para Beja, numa ambulância transportava também uma senhora idosa, utente de um lar e teve de parar várias vezes pelo caminho. No hospital as coisas nem correram mal: pela meia-noite estava pronto e engessado. O pior foram as dores: não lhe deram analgésicos e receita, só no médico de família, que ele não tem em Portugal… A ambulância já tinha abalado: com alguma sorte, “apanhou boleia” noutra ambulância para Milfontes, ás 3 da manhã. Em desespero, Jacques comentava: «Misère! En France, ce serait la révolution!».

Passado umas horas, mais calmo, reconhecia: as pessoas são impecáveis, o material até é moderno… mas falta algo a Portugal para ter nível europeu. E é por isso mesmo que muitos ucranianos e búlgaros, residentes na zona, preferem tratar-se nos países de origem: “melhor, mais barato e seguro”. Como dizia o outro: “É a organização, estúpido!”.

Alberto Matos

1 comentário:

Chapa disse...

E nós que cometemos o erro de termos nascido por cá, estamos condenados a ter que aturar este fado?
Há tantos anos que morreu o Joaquim Agostinho no Algarve e continuamos assim, a morrer sem nexo.