
A região foi abalada, há um mês, pela notícia de que o comboio Intercidades Lisboa-Beja iria ser suprimido, depois de o ramal de Moura ter encerrado há mais de uma década e de a linha do interior até à Funcheira se parecer cada vez mais com um deserto de estações e apeadeiros fantasmas. Fruto da reacção pronta de diversas entidades e em particular – é justo reconhecê-lo – da Câmara de Beja, o Intercidades vai manter-se e até melhorar. Numa região em que ninguém reivindica o TGV ao pé da porta, é essencial apostar na modernização da via-férrea e na electrificação da linha entre Casa Branca e a Funcheira. A ferrovia continuará a ser o eixo fundamental duma rede moderna de transportes públicos e de mercadorias, sem menosprezar uma boa ligação rodoviária de Sines até à fronteira e a utilização civil da base aérea de Beja, como aeroporto de carga e de voos charter.
Estes e outros pontos do Manifesto, aprovado por unanimidade, são uma base genérica de acordo entre participantes, entre os quais existem visões diferentes mas um sentimento comum de revolta contra as arbitrariedades e injustiças impostas pelo centralismo. Intervim neste plenário sobre dois problemas cruciais para arrancar esta vasta região do marasmo e do muro das lamentações ao poder central: Alqueva e a regionalização – mas esta ficará para próxima crónica.
O latifúndio, já de si parasitário em regime de sequeiro, é irracional em sistema de regadio – 50 hectares de regadio podem ser mais produtivos que 1000 hectares de sequeiro, a menos que nestes haja cortiça… Assim os latifundiários estão a vender as terras, ainda não regadas mas já valorizadas pela barragem de Alqueva, transferindo milhões para o imobiliário e para a especulação financeiro. Caso emblemático é o antigo presidente da CAP e deputado europeu do CDS, Rosado Fernandes: depois de receber quase 1 milhão de contos de indemnização por terras alagadas pela barragem, vendeu a herdade da Fonte dos Frades, a poucos quilómetros de Beja, a um olivicultor espanhol que mandou plantar milhares de pés de oliveiras e está a construir um grande lagar. Algo de semelhante acontece, para já, em cerca de 25% das terras do perímetro de rega de Alqueva.
O que me preocupa não é, obviamente, a nacionalidade dos novos proprietários, mas sim o modelo cultural que está a nascer, importado da Andaluzia e com efeitos sociais e ambientais já conhecidos. A monocultura – seja do olival, da vinha ou do trigo, como no passado – nunca é uma boa solução. Neste caso, vamos ter oliveiras a produzir azeite ao fim de três anos, com um tempo médio de vida de dez anos – nem é preciso comparar com as magníficas oliveiras centenárias, de sequeiro, para perceber que este “óleo de aviário” não terá nada a ver com a qualidade do bom azeite alentejano, nomeadamente o da margem esquerda do Guadiana. Mas é certamente um grande negócio, que vem aproveitar a quota de produção de azeite disponível em Portugal e já esgotada em Espanha.
O “segredo” da produção intensiva não está só na rega gota-a-gota mas, sobretudo, nos fertilizantes, à semelhança das hormonas utilizadas na engorda rápida de animais. As consequências, ambientais e para a saúde humana, serão conhecidas talvez dentro de uma década, quando os proprietários tiverem de arrancar estas espécies para as substituírem ou passarem, por sua vez, a terra a patacos…
A nível de emprego, a Andaluzia utiliza mão-de-obra imigrante, sobretudo magrebina e por vezes ilegal – algo de semelhante ao que se passa hoje no perímetro de rega da barragem de Santa Clara, em Odemira, com búlgaros, ucranianos, moldavos, brasileiros e marroquinos.
Para termos, na envolvente de Alqueva, uma agricultura diversificada – com estufas, produções hortofrutícolas, floricultura, etc. – é preciso criar explorações de dimensão racional. Mas é preciso também que o Estado tenha a coragem de intervir, expropriando quem não quiser fazer regadio e criando um banco de terras para arrendamento a pequenos agricultores e a explorações familiares ou cooperativas. Neste sentido, é incontornável a reposição na Assembleia da República do projecto de lei de reestruturação fundiária apresentado, em 2001, pelo deputado Lino de Carvalho.
Alberto Matos
1 comentário:
Reconheço a minha ignorância na matéria, mas o que está escrito no teu texto faz todo o sentido. Obrigada.
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