terça-feira, setembro 26, 2006

Município participado

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No final do primeiro ano de mandato, o executivo da Câmara de Beja lançou à discussão pública a iniciativa designada por “Município Participado” que já tive oportunidade de saudar, sem reservas, na sessão de ontem da Assembleia Municipal. Desde logo porque corresponde ao cumprimento do programa eleitoral da CDU – neste ponto convergente com o programa que, em nome do Bloco de Esquerda, apresentámos às cidadãs e aos cidadãos do nosso concelho. Esta iniciativa rompe com a postura do anterior executivo (da mesma cor política) que manteve, ao longo de quatro anos, “um silêncio ensurdecedor” sempre que alguém falava em orçamento participado.

Sendo um primeiro passo, todos temos muito a aprender para que os seguintes venham consolidar esta caminhada de aprofundamento da democracia, local e não só. Questiona-se o carácter talvez demasiado genérico do inquérito, a enviar para todos os domicílios do concelho; mas só depois de amplamente divulgado e respondido, será possível interpretar os seus dados e extrair conclusões que ajudem a delinear as prioridades do município e até a reformular futuros inquéritos.

Começar em Setembro é um pouco tarde, para um orçamento que será submetido à Câmara e à Assembleia Municipal em finais de Novembro ou, no máximo, em princípios de Dezembro. É de esperar que, em próximos anos, este processo seja iniciado em Abril ou Maio, de forma a permitir duas rondas de reuniões: uma primeira em que o executivo apresente as várias opções em jogo, perante as previsões financeiras para o ano seguinte; e uma segunda, já depois de recolhidas as sugestões e propostas das várias assembleias populares, em que seja apresentada uma versão aproximada da proposta de orçamento, submetendo-a à opinião e à crítica públicas. A decisão final caberá sempre aos eleitos que, por ela, assumirão a responsabilidade política. Mas o orçamento e o plano de actividades daqui resultantes serão, certamente, muito mais ricos e concretos.

Foi isto, aliás, que sobressaiu das palavras do presidente da Câmara, Francisco Santos, em jeito de balanço das reuniões já efectuadas nalgumas freguesias rurais: “as pessoas têm uma noção das prioridades, dos problemas e das soluções que, por vezes, nem nos passava pela cabeça”. E, acrescento eu, por vezes até permitem poupar dinheiro quando ele é escasso. As reuniões que vão decorrer até meados de Outubro, nomeadamente nas freguesias urbanas de Beja, trarão certamente muitos outros contributos. É neste sentido que gostaria de adiantar algumas sugestões para este debate inédito que deverá despertar a mobilização cívica e democrática.

A Câmara introduziu já correcções a alguns disparates mais evidentes do Polis: a reabertura do trânsito longitudinal (sem estacionamento) na Praça da República, onde é evidente a necessidade de reparar o pavimento, sujo e degradado, ao fim de dois anos. Foi anunciada a retirada das grades do bar do “Jardim do Bacalhau” e a sua pintura de branco; e o alargamento da António Sardinha, com a construção de um novo acesso descongestionado ao Hospital, em particular às urgências. Aplaudo estas medidas (que propus há um ano) e sugiro outras, como o revestimento vegetal da Avenida Miguel Fernandes com plantas do tipo “chorão” a cobrir o deserto de pedra e ferros emergentes do parque de estacionamento. Mas, já que estamos a falar de orçamento e até por uma questão de transparência, deverá ser claramente identificada a despesa atribuída à correcção dos disparates do Polis, resultantes de e num défice não só financeiro mas, sobretudo, democrático.

Outra questão marcante do presente e do futuro é a água: o vereador Francisco Caixinha, ex-director da EMAS, anunciou que só a reformulação da rede de distribuição da cidade vai custar 14 milhões de euros, ao longo dos próximos anos. Com o espartilho financeiro da nova lei das finanças locais (alvo de contestação geral dos municípios), como financiar uma obra desta envergadura? O governo pretende empurrar as autarquias para três tipos de soluções erradas: mais impostos sobre o povo; a entrada em “novas áreas de negócios” que alimentam a especulação; e a alienação de competências, entre elas a captação e a distribuição de água – já conhecida como o petróleo do século XXI.

É por isso que me preocupa a aprovação dos Estatutos da empresa “Águas do Alentejo Sul”, com a abertura de 49% ao capital privado. Até agora, nos SMAS ou mesmo na EMAS, sabíamos a quem pedir responsabilidades: como na velha moda alentejana: “À Câmara se dirigimos”. Se e quando a água for um negócio quase privado, mais cara e com menos qualidade (veja-se a EDP), queixamo-nos aonde? Talvez na Herdade do Montinho, nos confins da freguesia da Boavista…


Alberto Matos

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