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No passado fim-de-semana, integrado numa “coluna” vinda do Alentejo e do Algarve, participei na Marcha do Emprego promovida pelo BE. Com partida às 10 da manhã do Largo Catarina Eufémia, junto ao velhinho mercado municipal do Barreiro, a Marcha percorreu as principais artérias da cidade, rumando à estação do Lavradio, com chegada à Baixa da Banheira um pouco antes da hora do merecido almoço. Com o toque de alegria, dado por uma charanga popular da Moita, sucediam-se os contactos com mulheres e homens duma terra sofrida pelo desemprego, mas orgulhosa do seu lugar ímpar na história do movimento operário. E não surpreenderam as atenções despertadas por um cartaz com os dizeres “Alentejo Presente”, numa zona de migração de tantos alentejanos.
Retemperadas forças, a Marcha atravessou Alhos Vedros, recebendo a saudação do vereador do BE, Joaquim Raminhos e dirigindo-se depois à sede do concelho da Moita, onde decorriam as festas tradicionais. No Domingo, partindo de Corroios, passando pelo Laranjeiro e pela Cova da Piedade, a marcha atravessou a cidade de Almada e embarcou em Cacilhas até Lisboa. Na Mãe de Água das Amoreiras deu-se o encontro memorável das “colunas” Norte e Sul, com centenas de activistas a rumarem à Estufa-Fria, completamente lotada, no encerramento da Marcha.
Afinal o que levou mais de um milhar de pessoas percorrerem, ao longo de 17 dias, 300 quilómetros e muitas outras a participarem em 50 sessões públicas, nas principais cidades e vilas do litoral, onde se concentra a população… e o desemprego? Tratou-se duma iniciativa inédita em Portugal que reproduz, de certa forma, as marchas dos desempregados que têm percorrido a Europa a caminho de Bruxelas. Mas, além de uma iniciativa contra o desemprego, esta Marcha pelo Emprego assumiu, até no nome, o carácter alternativo das propostas que foram sendo apresentadas e pretendem ajudar a traçar um rumo distinto da cavalgada neoliberal que semeia o desemprego e ataca a dignidade do trabalho como valor estruturante da vida em sociedade.
Entre inúmeras propostas, destaco: a proibição dos despedimentos e falsas rescisões “voluntárias” em empresas lucrativas; a criação de um contrato-emprego de pelo menos três anos para quem está em formação; o desenvolvimento de serviços públicos como a saúde, onde é flagrante a falta de profissionais; a igualdade efectiva entre homens e mulheres, no salário e nos direitos; o combate à precariedade, com a proibição das empresas de pseudo trabalho temporário e a passagem a efectivos de todos os trabalhadores, ao fim de um ano de contrato.
A proposta mais destacada pela imprensa foi, sem dúvida, a redução da semana de trabalho para 36 horas, podendo o trabalhador optar por mais um dia de descanso semanal, fazendo 9 horas diárias. Alguns tentam ridicularizar esta proposta que, em minha opinião, é a mais fracturante: “lá estão eles, não querem é trabalhar”. Quantitativamente, nem é ousado propor 36 horas numa Europa onde vários países baixaram das 35 horas semanais, embora se verifique hoje uma tendência regressiva; e a redução de um dia de trabalho tem sido adoptada parcialmente em situações de crise da produção, por exemplo no acordo da Autoeuropa que permitiu salvaguardar centenas de postos de trabalho.
Além disso a redução da jornada de trabalho é uma velha luta do movimento operário, desde o tempo em que se trabalhava de sol a sol, também aqui no Alentejo. Numa altura em que o trabalho é “um bem escasso que tem de ser partilhado”, o maior alcance desta proposta é o salto qualitativo de mais um dia livre para a actividade social, para a família e para o lazer: é aqui que se entrelaçam o direito ao trabalho e o exercício da cidadania activa e se rasgam caminhos de futuro.
E a provar que o flagelo do desemprego não se limita ao litoral, um caso exemplar de chantagem patronal: os trabalhadores (docentes e não só) do Instituto Superior de Serviço Social de Beja e de Lisboa estão a ser alvo de uma pressão inqualificável para a “rescisão voluntária” dos contratos sem termo (isto é, efectivos) com a CESDET – titular deste Instituto que já formou centenas de técnicos sociais no nosso distrito. Em troca, acenam-lhes com um contrato a prazo com a Fundação Minerva (proprietária da U. Lusíada), sem garantia sequer de receberem centenas de contos de salários que têm em atraso. Trata-se de pura chantagem, pois a Fundação Minerva é obrigada por lei a respeitar todos os contratos da CESDET, em primeiro lugar com os seus trabalhadores. O ministro Mariano Gago já foi chamado ao parlamento para explicar todos os contornos desta “operação inédita”.
A Marcha pelo Emprego, tal como a letra da canção, já “vem de longe e vai para muito longe”…
Alberto Matos
2 comentários:
Devo dizer que quase assisti ao discurso de Francisco Louçã em Lagos. No entanto, a palestra estava marcada, salvo erro, para as 21.80. Fui-me embora (tive que)às 23.00 e ainda nem tinha começado. Foi pena pois gostaria de o ter ouvido. Fica para a próxima.
Foi com muita pena que não pude participar. Obrigada pelo teu relato.
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