O tema da imigração tem estado na actualidade. De Maringá, no Brasil, chegaram no princípio de Maio catorze brasileiros (oito adultos e seis crianças) a Vila de Rei, na Beira Baixa. Aparentemente insólita, a atitude da autarquia não se destina apenas a retribuir o bom acolhimento que, nas décadas de 40 e 50, o município de Maringá deu a muitos portugueses que aí se estabeleceram. É um acto do mais elementar bom senso, num concelho situado no centro do país, devastado pelos incêndios florestais e que sofre intensamente o fenómeno da desertificação.
Vila do Rei não é, aliás, um caso isolado: de acordo com um estudo da ONU, realizado no ano 2000, a UE (ainda a 15 países) precisaria de receber 674 milhões de imigrantes até 2050, só para equilibrar as contas dos sistemas de segurança social. Em Portugal, estudos idênticos apontam para cerca de 200 mil novos imigrantes por ano. É esta a realidade demográfica da “velha Europa”.
Ao contrário de muitos compatriotas e de milhares de imigrantes que deambulam por este país, com as portas da legalização fechadas, estes puderam contar com a ajuda da autarquia (em articulação com a sua congénere brasileira) para virem já com a situação regularizada, ou seja, com vistos de trabalho e autorizações de residência emitidos no país de origem. Teoricamente, é esta a única forma de entrada legal, hoje, em Portugal. Na prática, quem estará disposto a contratar pessoas que não conhece, a milhares de quilómetros, se não houver alguma entidade (neste caso uma autarquia) que intermedeie a situação? Vila do Rei é pioneira em Portugal mas este procedimento já existe, por exemplo, no município da Cartaya, da província de Huelva, na nossa vizinha Andaluzia.
Contra esta medida ergueram-se críticas, esperadas, de que estes cidadãos brasileiros “vão ocupar postos de trabalho que poderiam ser de desempregados portugueses”. A autarca Irene Barata foi muito directa, ao responder: “Em Portugal é quase impossível cativar alguém para vir viver e trabalhar no concelho de Vila de Rei ganhando o ordenado mínimo, que é o que vai ser pago a cada elemento das famílias que agora chegam”. Controverso é o facto de, entre os recém-chegados, se encontrarem profissionais qualificados (como uma psicóloga) a receber o salário mínimo – o que não é aceitável, seja qual for a sua nacionalidade. Resta saber onde estarão, daqui a um ano, os homens e as mulheres de Maringá… É que a desertificação humana tem causas mais profundas em todo o interior do país, que não podem ser colmatadas apenas com a imigração.
Mais grave foi a manifestação em Vila de Rei, a 13 de Maio, de poucas dezenas de deslocados de Lisboa pela Frente Nacional e pela sua fachada legal, o PNR – Partido Nacional Renovador – contra “a invasão de Portugal”, ostentando t-shirts com inscrições abertamente racistas – “A coisa aqui está preta” – num cortejo onde se podiam ver símbolos das SS, cruzes suásticas e cabeças rapadas, tatuagens e botas Doc Martens. Inaceitável é que esta manifestação fosse autorizada e decorresse perante um número de polícias superior ao de manifestantes, assistindo calmamente a uma violação expressa da Constituição que proíbe a propaganda de ideologias fascistas – neste caso, nazi. Pena é, também, que alguns “cabeças rapadas” não fossem convidados a trabalhar na reflorestação de Vila do Rei, a troco do salário mínimo e beneficiando de apoio psicológico…
O convite da autarquia de Vila do Rei que permitiu a entrada legal e a instalação destes imigrantes é, manifestamente, uma excepção e não a regra. É por falta de uma lei adequada à realidade que milhares de homens e mulheres continuam a passar as fronteiras, ficando muitas vezes à mercê das máfias do transporte e do trabalho escravo que alimentam reconhecidos 23% da economia informal. É evidente que a alternativa à imigração ilegal, além da inversão deste modelo de desenvolvimento insustentável, é a abertura de canais de imigração legais e adequados a uma realidade mais do que diagnosticada: há hoje, em Portugal, mais de 100 mil imigrantes a trabalhar sem qualquer visto.
Não adianta o MAI, António Costa, multiplicar declarações e promessas avulsas sobre a imigração qualificada do futuro ou a concessão de autorizações de residência às vítimas de tráfico humano que colaborem na investigação destas redes – possibilidade que já existe, mediante “serviços relevantes prestados ao Estado”. Entretanto já passou de prazo a promessa de nova lei de imigração, a enviar ao parlamento até finais de 2005. O principal mérito das propostas do PCP e do BE é obrigar o governo a optar entre as suas promessas ou o continuísmo neoliberal desta Europa pseudo-fortaleza.
Alberto Matos
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