terça-feira, maio 16, 2006

Heróis Subterrâneos

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Com a pompa e circunstância mediática a que já nos habituou, Sócrates veio ontem a Aljustrel, onde patrocinou a assinatura dum contrato de investimento da ordem dos 76 milhões de euros entre as Pirites Alentejanas, SA, a AGE – Minas de Portugal, SGPS, a Eurozinc e a Agência Portuguesa para o Investimento. O projecto de investimento inicia-se este ano e envolve a criação imediata de 100 postos de trabalho, prevendo-se a sua conclusão no final de 2007, quando deverão estar concluídos as operações necessárias à retoma da laboração das minas de Aljustrel. Segundo a imprensa, a laboração propriamente dita “deve ter lugar no início de 2008”, mas esta ainda depende da evolução das cotações internacionais do cobre e de outros metais.

Boas notícias, à primeira vista, embora o palco montado na simpática vila mineira de Aljustrel não tivesse o glamour da corte ministerial reunida para receber Bill Gates nem o impacto do projecto da ex-refinaria de Patrick Monteiro de Barros, em Sines. Há, no entanto, demasiadas interrogações sobre mais um projecto que Sócrates tirou da cartola, a primeira das quais é este ter-se desenvolvido à revelia dos principais interessados – os mineiros e o seu Sindicato – que, ainda há uma semana, reclamavam junto do Governo Civil de Beja notícias sobre a sua situação. O ministro de Economia, Manuel Pinho, declarou que a principal lição tirada pelo governo sobre o fracasso das negociações da refinaria de Sines era que não podia haver cláusulas secretas, como a do pagamento das emissões de CO2 que Patrick Monteiro de Barros quis impor ao erário público. Mas parece que estas lições não foram assimiladas, dado o secretismo que envolve o processo das minas de Aljustrel.

É que este processo tem uma história. Em 1992, o ministro da Economia, Mira Amaral, inaugurou uma moderníssima lavaria do cobre que representou um investimento de 17 milhões de contos – 85 milhões de euros, superior aos 76 milhões ontem anunciados por Sócrates, mesmo sem contar com a inflação. Pois bem, um ano depois, o mesmo governo presidido por Cavaco Silva decidiu encerrar a mina de Aljustrel por tempo indeterminado, usando como principal argumento a baixa da cotação do cobre. Na altura percebeu-se claramente que Aljustrel “ficava de pousio”, enquanto na Somincor a Rio Tinto tinha carta branca do Estado (com uma posição maioritária de 51%) para praticar a lavra gananciosa do cobre que então atingia teores de 25%, dos mais altos do mundo. Em Aljustrel, com reservas calculadas para quase cem anos, estes teores são muito mais baixos.

Entretanto, a transnacional Eurozinc comprou as Pirites Alentejanas ao Estado por “tuta-e-meia”, com a promessa da sua reabertura “logo que possível”. Já em 2004, o governo PSD-PP patrocinou a venda da Somincor, através dum concurso internacional a que só se apresentou um concorrente – a mesmíssima Eurozinc. Com o monopólio das duas únicas minas a laborar no Alentejo e em todo o país – as Pirites de Aljustrel e a Somincor, em Neves Corvo – a Eurozinc limitou-se a seguir a táctica anterior, explorando o filão mais rico desta última e deixando Aljustrel “de pousio”…

Com este contrato de investimento de 76 milhões de euros, parece que a Eurozinc se livrou duma obrigação que, até ontem, era exclusivamente sua: a reabertura da mina de Aljustrel. O secretismo de todo o negócio não permite saber quanto cada parte vai realmente investir – será que a Eurozinc vai beneficiar, mais uma vez, da generosidade do erário público? E colocar a retomada efectiva da laboração na dependência da cotação do cobre em 2008, é tão seguro como jogar na roleta russa… Hoje o cobre está a bater todos os recordes desde que começou a ser cotado na bolsa de metais de Londres, em 1877. Mas ninguém pode fazer previsões a um ano e meio numa economia de casino, em que a oferta e a procura contam muito menos do que a simples expectativa de uma guerra, como se vê pela subida dos preços do petróleo!

Durante 13 anos, heróis subterrâneos impediram as galerias de Aljustrel de serem invadidas pelas águas, cuidaram da sua manutenção e das condições para a retoma da laboração. Estes heróis são os cerca de 400 mineiros das Pirites, hoje reduzidos a uns 50 e que, entre outras tarefas de Hércules, resistiram aos maus-tratos das administrações do Estado e da Eurozinc. Acenam-lhes com aumentos de 15 % sobre salários de há 13 anos, da ordem dos 100 contos, quando o mínimo dos mineiros da Somincor está (e muito bem) acima dos 1000 euros! A Eurozinc quer ainda um cheque em branco de “paz social” por cinco anos, sem que ninguém saiba se quando a mina vai reabrir. Mas uma sabedoria secular, aprendida no fundo das galerias, ensinou-lhes que quem verga é esmagado!


Alberto Matos

2 comentários:

Chapa disse...

Os 76 milhões a dividir por 100 postos de trabalho criados, não é um pouco exagerado? e afinal quem são os donos da Eurozinc? algum amigalhaço?

k7pirata disse...

É só trapaça.