quarta-feira, fevereiro 01, 2006

Habitação – um direito humano

Mais uma crónica que nos chega de Alberto Matos. Se tudo correr bem, será uma crónica semanal aqui no Arre Macho. Um obrigado desde já ao Alberto.

Há uma semana, os telejornais deram conta dos protestos de moradores da Azinhaga dos Besouros, na Amadora, contra a demolição de uma dúzia de barracas. Com forte aparato policial, as máquinas esmagaram implacavelmente tábuas, tijolos e folhas de zinco que serviam de cobertura precária de algumas famílias, sete das quais não estão abrangidas pelo PER – Plano Especial de Realojamento – e ficaram, literalmente, sem tecto. O caso não é novo, pois já em Junho passado a CM da Amadora tinha tentado avançar com as demolições. Na altura, os moradores aproveitaram a visita de Jorge Sampaio à vizinha Cova da Moura para apresentarem as suas razões – e o que é certo é que as demolições foram suspensas, a poucos meses das autárquicas.

Coincidência ou não, no dia imediato ás eleições presidenciais, a Câmara da Amadora (PS) mandou avançar o “bulldozer” como nova versão do “diálogo” social. O Presidente da Câmara e homem de mão de Jorge Coelho, ficou com as orelhas a arder com as declarações duma moradora à SIC: “Sr. Joaquim Raposo, na campanha andou a gritar que o melhor da Amadora são as pessoas, tenha vergonha!”. Mas não tem, agora que está eleito e sente as costas quentes com Sócrates em S. Bento e Cavaco em Belém! No ar ficaram os gritos: “A nossa luta continua – e se a casa fosse vossa?”.

A desculpa do PER não pega. Este Plano data de 1993, do último governo de Cavaco Silva, como resultado da Presidência Aberta de Mário Soares na Área Metropolitana de Lisboa que pôs a nu um problema muito antigo: a existência de dezenas de milhar de barracas. Nessa altura foi feito um recenseamento dos moradores e, doze anos depois, ainda há Câmaras que não construíram todos os bairros de realojamento, para os quais têm vindo a receber apoios do Estado e fundos comunitários.

A culpa não é, certamente, dos moradores. Como a vida não pára e mais de uma década se passou, continuaram a chegar novos moradores às grandes cidades, fruto até das vagas de imigração. Não havendo casas de renda acessível e em quantidade, é inevitável que surjam novas barracas e que alguns moradores não constem de um recenseamento feito há doze anos. Neste bairro eram só sete famílias e uma Câmara “com consciência social” era obrigada a arranjar alternativas à demolição. Até porque a alternativa às barracas é ficar na rua ou “debaixo da ponte”. Ou será que uma Câmara “socialista” quer aumentar o número dos “sem-abrigo” em plena invernia? A bola está nas mãos do Presidente da Câmara da Amadora e do “seu” governo!

Um factor importante no desenvolvimento desta e de outras lutas, na Amadora e em municípios vizinhos da Grande Lisboa, é a solidariedade contra o isolamento e a manipulação informativa por parte dos vários poderes, dando voz e visibilidade às razões dos moradores. Foi assim nos bairros das Marianas e do “Fim do Mundo” (onde um incêndio matou uma mãe e cinco filhos, dentro de uma barraca), cujos moradores realizaram uma vigila frente à Câmara de Cascais, no passado Setembro. E em conjunto com outros bairros, como a Quinta da Alembrança (Almada), Fontainhas (Amadora) e a Quinta da Serra (Prior Velho, Loures), em 22 de Outubro teve lugar uma manifestação com mais de meio milhar de moradores, da Praça da Figueira ao Largo Camões, em Lisboa. As autarquias e o governo não podem alegar desconhecimento!

Estas lutas têm contado com o apoio e a participação activa da Associação Solidariedade Imigrante, através do Grupo de Trabalho da Habitação. Embora uma boa parte das vítimas dos despejos sejam imigrantes, tem havido a preocupação de agrupar todos os moradores, incluindo muitos portugueses e evitando a guetização da luta. Aliás, na Amadora não faltaram as provocações e as tentativas de confundir a resistência contra as demolições de barracas, onde moram seres humanos, com a de uma discoteca que ali funciona ilegalmente há muitos anos, perante o silêncio cúmplice das autoridades. Agora deu-lhes jeito misturar tudo e houve mesmo uma televisão que, zelosamente, filmou umas cartucheiras que ficaram sob os escombros do bar improvisado. Falou-se até de tiros, alegadamente disparados contra a polícia; felizmente, devem ter sido para o ar, pois ninguém foi atingido...

Quando se manifestam, em várias direcções, sinais inquietantes de xenofobia (contra os chineses, os ciganos, os negros, os outros…) exigem-se sinais inequívocos de políticas inclusivas. O direito efectivo à habitação é um deles, consagrado no Artigo 65.º da Constituição que deu forma à letra do Sérgio Godinho: “Só há Liberdade a sério quando houver… a Paz, o Pão, Saúde, Habitação”…

Alberto Matos

2 comentários:

Bel disse...

Fiquei super agradada com a crónica!
Parabens!

E concordo que a música do Senhor Grande senhor Sergio Godinho é o melhor dos hinos e o mais inteligente.

Anónimo disse...

Um abraço ao amigo Alberto Matos, à anos que não te vejo - também não é preciso, "andamos por aí, nas mesmas bandas..."