Mais um e-mail para divulgação, que chegou à nossa caixa de correio. Desde já, aquele abraço ao Alberto Matos.
"A uma semana da primeira volta das presidenciais, o país foi abalado por novo escândalo das escutas telefónicas. Um jornal diário deu conta de cerca de 200 nomes que terão sido alvo das ditas, entre os quais estão as mais altas figuras do Estado. As reacções oficiais não se fizeram esperar: intervenção do PR na abertura dos telejornais, indignação dos partidos e a promessa de “inquérito rápido” por parte do ainda Procurador-Geral da República, com a cabeça à beira do cepo – e convenhamos que há razões de sobra, a começar pela gestão desastrosa do processo Casa Pia.
Entre as diversas reacções, o que mais espanta é o ar de espanto de alguns responsáveis políticos perante um caso que será apenas a gota de água que faz transbordar um vaso lamacento e opaco que mancha a democracia. Nem tal se compreende, quando é voz corrente entre deputados e outros responsáveis políticos que não é lá muito seguro falar ao telemóvel... A origem desta situação remonta há mais de duas décadas, quando o governo do famigerado “bloco central”, Soares-Mota Pinto, decidiu constituir formalmente o SIR – Serviço de Informações da República, com várias componentes e designações, uma das quais é o SIS – Serviço de Informação e Segurança.
Depois da extinção da execranda PIDE/DGS, os serviços de informações em Portugal nunca desapareceram, mas estavam praticamente remetidos ao sector militar até 1984. Lembro-me que, nessa altura, poucas vozes se ergueram contra os perigos de perversão que o SIR comportava para o regime instaurado com o 25 de Abril – entre elas o General Carlos Fabião e o seu inseparável amigo e camarada de armas, Coronel Batista. Mas houve quem não quisesse entender que as “secretas” se iriam converter em arma de arremesso político, virada sobretudo contra o “inimigo interno” – a contestação social e a esquerda política, como é óbvio!
Mais uma vez, o PS pôs e o PSD dispôs. Foi com a ascensão do cavaquismo e a consolidação do “Estado Laranja” que a utilização política e até partidária dos serviços de informações atingiu o seu auge. Quem não se recorda do escândalo que levou à demissão do Director do SIS – Madeira, Armindo Monteiro, por se ter descoberto que Alberto João Jardim utilizava os seus serviços para espiolhar a vida privada dos putativos candidatos autárquicos do PSD? E das listas de estudantes e sindicalistas considerados suspeitos e, como tal, sujeitos a espionagem? Nesta espiral da bufaria instituída, nunca ninguém respondeu a uma simples pergunta: quantos ex-agentes da PIDE/DGS trabalham para o SIS e para as restantes “secretas”?
Hoje levantam-se – e ainda bem, mais vale tarde do que nunca! – vozes escandalizadas contra as escutas telefónicas, sem mandato judicial, contra cidadãos que não são suspeitos de ter praticado nenhum crime. Mas, pergunto eu, que crime cometeram sindicalistas, estudantes ou, para citar um caso que vivi por dentro, os activistas do “buzinão” da Ponte 25 de Abril? E aí, posso testemunhá-lo, não houve apenas escutas mas chamadas interceptadas, com ameaças à nossa integridade, incluindo a dos familiares mais próximos. Quem seria? Obviamente não deixavam o nome…
As escutas eram tão óbvias que o bloqueio de 13 de Setembro de 1994 foi combinado, ao telefone, para dia 14. Desta forma simples, o SIS foi enganado e protesto de milhares de cidadãos cortou o acesso a Lisboa durante três dias, perante a impotência do governo. Fernando Lima, então assessor do primeiro-ministro, dá público testemunho desta operação de espionagem contra cidadãos que exerciam o direito à indignação e até o seu mandato autárquico no livro “O meu tempo com Cavaco Silva”. E que saudades tem esta gente de voltar ao poleiro…
Em tempos mais recentes, ninguém me tira da cabeça que Ferro Rodrigues foi arredado da liderança do PS por uma estranha nebulosa que conjugou a manipulação política das escutas telefónicas com uma violação sistemática do segredo de justiça, com epicentro em gabinetes da PGR. Podemos interrogar-nos sobre quem beneficiou com esta operação... E não tenho grandes expectativas de que o prometido “inquérito rápido” faça luz sobre os sucessivos escândalos.
Só a mobilização cidadã pode garantir o exercício activo das liberdades constitucionais. A começar já no próximo dia 22, derrotando a abstenção e levando a decisão à segunda volta. Com Cavaco em Belém, ninguém pode esperar o reconhecimento do “direito à indignação” contra as políticas anti-sociais do governo Sócrates. E o regabofe das escutas iria disparar. "
Alberto Matos – Crónica semanal na Rádio Pax – 17/01/2006
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