domingo, abril 12, 2009

Ainda a Páscoa não estava instituida...


Desde sempre existiram pensadores e activistas a contrariarem a vigência das religiões e os seus fundamentos filosóficos.

Também a afirmação religiosa, em todas as épocas, resultou sempre da aceitação dos detentores do poder. Só e apenas após perceberem que tais crenças não colidiam com a ordem instituída, antes a ajudavam, verificando-se assim ao longo de milénios o aparecimento de muitas que se transformaram em religiões oficiais dos respectivos regimes.

Em finais do IV milénio antes desta era, a Babilónia e o Egipto eram estados esclavagistas, onde o trabalho escravo garantia a construção de sistemas de rega, pirâmides, palácios e tudo o mais que obrigasse a trabalho duro. Naquele periodo verificou-se avanços importantes na ciência - matemática, astronomia, cosmologia. Deste modo a germinação do pensamento filosófico, ainda que afunilado na mitologia, pois tudo ainda era distante e propiciador da consciência social.
Naquele tempo destacou-se a casta sacerdotal na investigação, elaborando por observação da lua, sol e estrelas, o primeiro calendário, essencial para a agricultura base da economia de então.

Tais sacerdotes na observação do cosmos na tentativa de compreender os fenómenos da natureza, propagaram inúmeras crenças religiosas, cujas narrativas mitológicas sobre a origem dos deuses e a origem do mundo, deram duas disciplinas a Teogonia e a Cosmogonia, por onde desenvolveram a sua fundamentação, tal como hoje a Teologia.

Mas ao desenvolver-se a escravidão a par da crescente dureza das relações sociais, desenvolve-se um movimento de ideias, aparecendo na Babilónia vários registos em que não só rompiam com a mitologia como desenvolviam o pensamento ateu. Como aquele lindo escrito que é um diálogo entre o senhor e o escravo "Sobre o sentido da vida", onde os dogmas religiosos são criticados, dizendo que é ingenuidade cumprir as prescrições religiosas, fazer sacrificios aos deuses e ter esperança numa recompensa no mundo de além túmulo.

Também no Egipto, cuja evolução do pensamento filosófico permite que no II milénio antes desta era, se detecte o caminho que conduz da religião à interpretação filosófica dos mitos, onde já não prevalece um sentido religioso, mas a um sentido mais elevado a corresponder a um maior conhecimento cientifico, a par de uma consciência social resultante do endurecimento da luta encetada pelos escravos, e da acção das camadas até então acomodadas de cidadãos livres, que geraram um enorme fosso entre a generalidade da população e a nobreza esclavagista.
Deste tempo existem escritos que duvidam das crenças religiosas numa "vida eterna no outro mundo" e que perante as concepções da nobreza esclavagista, com o seu desdém pelo trabalho e anúncio de uma existência no além, falam da possibilidade de melhorar a vida neste mundo.

Assim no "Cantar de Harpista", obra clássica da antiga literatura egipcia, diz-se que não houve um só morto que tivesse voltado para falar do além-túmulo. A razão e os sentidos também não podem dizer nada acerca dele. Portanto não há razão para acreditar na existência de outro mundo que não seja o terreno.
Estes escritos são um marco na história da evolução do pensamento humano, pela coerência e força lógica com que recusa contabilizar esperanças num mundo além - túmulo, preferindo "tratar e regularizar os nossos assuntos na terra".

Este escrito resultou de uma recente conversa que mantive com Heródoto.
De vez enquando aparece-me por cá.

3 comentários:

  1. Parabéns Broncas, apesar de não concordar contigo quanto ao "ideal de sociedade", admiro a tua erudição como demonstras neste artigo... é sempre bom aprender alguma coisa.

    Saudações Socialistas

    Jorge Beja

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  2. Estou a ver que qualquer dia aparece algo tirado do "Pequeno Egipto" de Eças de Qeiroz sobre as almas que ficaram soterradas na construção do Canal do Suez...

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  3. Já há muito que não converso com Eça...talvez me encontre com ele um dia destes - desejo até que ele me explique, como é que se desentendeu com o inventor das "ameixoas à bulhão pato".

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