segunda-feira, junho 13, 2005

Mais um valor que nos deixa



MULHERES DE PRETO

Há muito que são velhas, vestidas de
preto até à alma.
Contra o muro
defendem-se do sol de pedra;
ao lume
furtam-se ao frio do mundo.
Ainda têm nome? Ninguém
pergunta, ninguém responde.
A língua, pedra também.

(RENTE AO DIZER)

Eugénio de Andrade

2 comentários:

  1. obrigada =) quando souber fazer isso, tmb t adiciono ;)fico feliz por gostares do meu blog, considero o teu muito interessante.

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  2. De um poeta, que também já faleceu há anos, e que era muito amigo do Eugénio de Andrade (aliás, José Fontinha, nascido no Fundão), o poeta Ruy Belo.

    Morte ao Meio-dia

    "No meu país não acontece nada
    À terra vai-se pela estrada em frente
    Novembro é quanta cor o céu consente
    às casas com que o frio abre a praça

    Dezembro vibra vidros brande as folhas
    a brisa sopra e corre
    e varre o adro menos mal que o mais zeloso varredor municipal
    Mas que fazer de toda esta cor azul que cobre os campos neste meu país do sul?

    A gente é previdente, cala-se e mais nada
    A boca é pra comer e pra trazer fechada
    O único caminho é direito ao sol

    No meu país não acontece nada
    O corpo curva ao peso de uma alma que não sente
    Todos temos janela para o mar voltada
    O fisco vela, e a palavra era para toda a gente

    E juntam-se na casa portuguesa
    a saudade e o transístor sob o céu azul
    A indústria prospera, e fazem-se ao abrigo da velha lei mental, pastilhas de mentol

    Morre-se a Ocidente como o sol à tarde
    Cai a sirene sob o sol a pino
    Da inspecção do rosto o próprio olhar nos arde
    Nesta orla costeira, qual de nós foi um dia menino?

    Há neste mundo, seres para quem a vida não contém contentamento
    E a nação faz um apelo à mãe, atenta à gravidade do momento

    O meu país é o que o mar não quer
    É o pescador cuspido à praia à luz do dia, pois a areia cresceu
    e a gente em vão requer curvada
    o que de fronte erguida já lhe pertencia

    A minha terra é uma grande estrada
    Que põe a pedra entre o homem e a mulher
    O homem vende a vida e verga sob a enxada
    O meu país é o que o mar não quer"

    Ruy Belo, em memória de Eugénio de Andrade, e todos os que vergam sob a enxada neste país em que não acontece nada, sem cultura, sem educação, sem identidade(s).
    Um abraço

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